Poeta do testemunho... da problematização da sociedade...e de belíssimos escritos.

Poeta do testemunho... da problematização da sociedade...e de belíssimos escritos.
Jorge de Sena (1919-1978)

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

palavras de José Saramago

8 de Fevereiro de 2010 - 19h22

José Saramago: "Quantos Haitis?"

No Dia de Todos os Santos de 1755 Lisboa foi Haiti. A terra tremeu quando faltavam poucos minutos para as dez da manhã. As igrejas estavam repletas de fiéis, os sermões e as missas no auge…

José Saramago, em seu blog O Caderno de Saramago
(reprodução da página www.vermelho.org.br)

Depois do primeiro abalo, cuja magnitude os geólogos calculam hoje ter atingido o grau 9 na escala de Richter, as réplicas, também elas de grande potência destrutiva, prolongaram-se pela eternidade de duas horas e meia, deixando 85% das construções da cidade reduzidas a escombros.

Segundo testemunhos da época, a altura da vaga do tsunami resultante do sismo foi de vinte metros, causando 600 vítimas mortais entre a multidão que havia sido atraída pelo insólito espectáculo do fundo do rio juncado de destroços dos navios ali afundados ao longo do tempo.

Os incêndios durariam cinco dias. Os grandes edifícios, palácios, conventos, recheados de riquezas artísticas, bibliotecas, galerias de pinturas, o teatro da ópera recentemente inaugurado, que, melhor ou pior, haviam aguentado os primeiros embates do terramoto, foram devorados pelo fogo.

Dos 275 mil habitantes que Lisboa tinha então, crê-se que morreram 90 mil. Conta-se que à pergunta inevitável “E agora, que fazer?”, o secretário de Estrangeiros Sebastião José de Carvalho e Melo, que mais tarde viria a ser nomeado primeiro-ministro, teria respondido “Enterrar os mortos e cuidar dos vivos”.

Estas palavras, que logo entraram na História, foram efetivamente pronunciadas, mas não por ele. Disse-as um oficial superior do exército, desta maneira espoliado do seu haver, como tantas vezes acontece, em favor de alguém mais poderoso.

A enterrar os seus cento e vinte mil ou mais mortos anda agora o Haiti, enquanto a comunidade internacional se esforça por acudir aos vivos, no meio do caos e da desorganização múltipla de um país que mesmo antes do sismo, desde gerações, já se encontrava em estado de catástrofe lenta, de calamidade permanente.

Lisboa foi reconstruída, o Haiti também o será. A questão, no que toca ao Haiti, reside em como se há-de reconstruir eficazmente a comunidade do seu povo, reduzido não só à mais extrema das pobrezas como historicamente alheio a um sentimento de consciência nacional que lhe permitisse alcançar por si mesmo, com tempo e com trabalho, um grau razoável de homogeneidade social.

De todo o mundo, de distintas proveniências, milhões e milhões de euros e de dólares estão sendo encaminhados para o Haiti.

Os abastecimentos começaram a chegar a uma ilha onde tudo faltava, fosse porque se perdeu no terramoto, fosse porque nunca lá existiu. Como por ação de uma divindade particular, os bairros ricos, em comparação com o resto da cidade de Porto Príncipe, foram pouco afectados pelo sismo.

Diz-se, e à vista do que aconteceu no Haiti parece certo, que os desígnios de Deus são inescrutáveis. Em Lisboa as orações dos fiéis não puderam impedir que o teto e e os muros das igrejas lhes caíssem em cima e os esmagassem.

No Haiti, nem mesmo a simples gratidão por haverem salvo vidas e bens sem nada terem feito para isso, moveu os corações dos ricos a acudir à desgraça de milhões de homens e mulheres que não podem sequer presumir do nome unificador de compatriotas porque pertencem ao mais ínfimo da escala social, aos não-ser, aos vivos que sempre estiveram mortos porque a vida plena lhes foi negada, escravos que foram de senhores, escravos que são da necessidade.

Não há notícia de que um único haitiano rico tenha aberto os cordões ou aliviado as suas contas bancárias para socorrer os sinistrados. O coração do rico é a chave do seu cofre-forte.

Haverá outros terramotos, outras inundações, outras catástrofes dessas a que chamamos naturais. Temos aí o aquecimento global com as suas secas e as suas inundações, as emissões de CO2 que só forçados pela opinião pública os governos se resignarão a reduzir, e talvez tenhamos já no horizonte algo em que parece ninguém querer pensar, a possibilidade de uma coincidência dos fenômenos causados pelo aquecimento com a aproximação de uma nova era glacial que cobriria de gelo metade da Europa e agora estaria dando os primeiros e ainda benignos sinais.

Não será para amanhã, podemos viver e morrer tranquilos. Mas, di-lo quem sabe, as sete eras glaciais por que o planeta passou até hoje não foram as únicas, outras haverá.

Entretanto, olhemos para este Haiti e para os outros mil Haitis que existem no mundo, não só para aqueles que praticamente estão sentados em cima de instáveis falhas tectônicas para as quais não se vê solução possível, mas também para os que vivem no fio da navalha da fome, da falta de assistência sanitária, da ausência de uma instrução pública satisfatória, onde os fatores propícios ao desenvolvimento são praticamente nulos e os conflitos armados, as guerras entre etnias separadas por diferenças religiosas ou por rancores históricos cuja origem acabou por se perder da memória em muitos casos, mas que os interesses de agora se obstinam em alimentar.

O antigo colonialismo não desapareceu, multiplicou-se numa diversidade de versões locais, e não são poucos os casos em que os seus herdeiros imediatos foram as próprias elites locais, antigos guerrilheiros transformados em novos exploradores do seu povo, a mesma cobiça, a crueldade de sempre.

Esses são os Haitis que há que salvar. Há quem diga que a crise econômica veio corrigir o rumo suicida da humanidade. Não estou muito certo disso, mas ao menos que a lição do Haiti possa aproveitar-nos a todos.

Os mortos de Porto Príncipe foram fazer companhia aos mortos de Lisboa. Já não podemos fazer nada por eles. Agora, como sempre, a nossa obrigação é cuidar dos vivos.

Fonte: O Caderno de Saramago


COMENTÁRIO

•O poder das palavras corretas.
08/02/2010 20h46

" Catástrofe lenta e calamidade permanente". Esta me parece ser a definição do Haiti, uma constatação essencial para o encaminhamento da sua reconstrução. É bom que a humanidade acostume-se a cuidar dos vivos em todo o mundo, que reveja o modo de vida e passe a dar importância ao que é fundamental, modificando essa mentalidade consumista inútil instalada pelo capitalismo vigente. Saramago, como sempre, prestando um serviço à humanidade, através da reflexão e informações contidas em suas palavras.

BEATRIZ HELENA SOUZA
Rio de Janeiro - RJ

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Órfãos do Brasil, órfãos do Haiti.

Qual a diferença entre órfãos? Quanto essas diferenças implicam no tempo que levará para serem adotados, ou impedirá que sejam escolhidos?

Esta semana estava ouvindo, na voz do Brasil, que estão lá em Brasília discutindo a regulamentação da adoção de crianças haitianas. De fato, o Haiti precisa de tudo nesse momento, para ser reconstruído. Me ocorrem algumas perguntas:

- reconstruir o país ou levar aquele povo a construir um novo País?
- Estamos sem crianças para adotar aqui e precisamos adotar as de fora?

Se alguém vai, por mais que seja sob coordenação da ONU, reconstruir o País por eles, continuarão à mercê de nova catástrofe, seja ela qual for. Não devemos nos esquecer que vários países do mundo sofrem frequentes terremotos e prepararam-se para isso. Penso que é preciso, claro, nesse momento de urgência, socorrer em tudo o que for necessário, sob coordenação da ONU, e assim que possível, concomitantemente, levar o povo a construir um país, no que refiro-me específicamente às instituições e à estrutura material de que se compõe uma nação.

Isso está ocupando a minha cabeça. Não, não estou me sentindo desumana por pensar isso, é porque se a pessoa não anda por suas próprias pernas, não anda - é levada. Há muita diferença entre andar e ser levado.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

o sol nasce pra todos...



Esta linda e maravilhosa imagem é do nascer do sol, hoje, na Praia Vermelha - RJ. Peguei na página do JB Online faz uns minutos.

Já dizia Renato Russo: "Quando o sol bater na janela do teu quarto lembra e vê que o caminho é um só. Por que esperar? Se podemos começar tudo de novo, agora mesmo. A humanidade é desumana, mais ainda temos chance. O sol nasce pra todos, só não sabe quem não quer."

Sábio Renato. De fato, em que pese vivermos mergulhados num sistema econômico excludente, que impões a dinâmica da sociedade e influencia na cultura e nos comportamentos, temos que fazer a nossa parte, temos algumas escolhas, sim! Não vale é se acomodar, ou não ter coragem de lutar pelo que se quer e depois ficar "posando de vítima das circunstâncias", como também cantou Lulu Santos.

Vamos procurar, vamos ler, vamos cantar e ouvir os artístas, há muito o que se aprender. Olha outro sábio: Gonzaguinha - "viver e não ter a vergonha de ser feliz! Cantar e cantar e cantar a beleza de ser um eterno aprendiz! Eu sei que a vida devia ser bem melhor e será, mas isto não impede que eu repita: é bonita! é bonita e é bonita!

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

O que é democracia dos meios de comunicação?

Tô vendo, ouvindo e assistindo em tudo quanto é lugar essa polêmica gerada pelas atitudes de Hugo Chaves na Venezuela. Mas, vamos lá e voltemos aqui:
O que é democracia dos meios de comunicação? Nós, aqui no Brasil, temos isso?

Emissoras de comunicação, de qualquer tipo, são concessões do Estado à iniciativa privada, ongs, grupos enfim. Na prática, é somente para quem tem dinheiro, aqui. E nenhuma preocupação com a formação da população, né?